quarta-feira, 27 de junho de 2007

NIILISMO E SINCRETISMO

por Diego Haase e Marcelo Matos (conversa por e-mail em 27 de junho de 2007) . Plano Inclinado.

Diego Haase: E demonstrando assim que ditos arquétipos são sementes do passado [ver as duas postagem anteriores a esta], os neo-realistas latino-americanos, orientais e iranianos, entre outros, compõem uma duração em termos de um sentido rítmico da realidade ante a qual os personagens mergulham em um mundo constituído além das suas próprias possibilidades. Um mundo tornado um pântano, uma guerra, um deserto, um estado de duração fílmico no entre-ato da memória, largados ao azar e frente ao desamparo. A história tem mudado para sempre, agora ela não pertence mais ao passado, como antigamente se contava histórias, senão a forma de decompor o presente que é matéria viva da realidade, com a percepção pura do espírito em busca, traído pela tradição e em conflito com a modernidade. Roteiros são sem dúvida a percepção do estado contemporâneo da realidade devastada pelos olhos da humanidade!

Marcelo Matos: Aqui tem uma deriva teórica a percorrer que estamos intuindo a tempos: dizem que vivemos em uma situação da qual é impossível sair, mas também é impossível permanecer. Uma espécie de pântano onde a tradição foi traída, como aponta Diego. Quem mais sacou isso foi F. Nietzsche (que cunhou o conceito de "niilismo") e Max Weber (que cunhou o conceito de "desencantamento do mundo"). Nietzsche e Weber só poderiam ser alemães.

O que eu estou intuindo é que esta situação que Nietzsche e Weber descrevem mui bem não se aplica completamente às narrativas terceiro-mundista, ou talvez especialmente à brasileira, e mais especificamente ainda à nordestina. O nosso pântano é um mangue: no meio da lama a vida se manifesta linda, bela e diversificada. Um entre-lugar entre as águas doces e salgadas que gera um ambiente sui generis. São os olhinhos dos carangueijos que pontam para fora da lama. Os dias da Manguetown.

A formação dos signos culturais baianos são barrocos e sincréticos; nós nascemos na modernidade sem sermos modernos, a modernidade só chega por aqui inacabada, pela metade. É louco entrar na vida da Bahia dos séculos XV ao XIX, é uma escravocrata tristeza que ainda assim gerava uma alegre cultura re-existência (veja aí a capoeira, o samba de roda, a culinária...) . E isto está aqui em nosso presente, está no dia a dia deste Centro que andamos todos os dias.

Se a tristeza (a decomposição dos corpos e das idéias) nos ruma para um desamparo, somente a alegria (a composição dos corpos e das idéias) pode nos amparar. É somente a alegria que pode recompor a realidade devastada pelos tristes olhos da humanidade. Da lama ao caos, do caos a lama...

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