sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O Efeito Colateral de TROPA DE ELITE


A narrativa de “Tropa de Elite” tem um efeito colateral pois tem duas interpretações possíveis: (1) a partir de um ponto de vista crítico o filme pode ser visto como uma denúncia da estratégia de repressão policial ao tráfico, uma explicitação da complexidade que é a violência urbana, uma crítica a posição da classe média dentro desta conjuntura e por ái vai. Porém, tem uma segunda posição, instaurada por aqueles que assistem ao filme sem um olhar crítico (parcela onde provavelmente está grande parte dos brasileiros).

Quando experenciamos uma história, a nossa tendência é logo se identificar com o herói da narrativa. É ele que vai nos guiar, é a partir de seu ponto de vista que vamos tender a ver… Enfim, é com ele que vamos nos identificar. Em “A Tropa de Elite”, as condições de identificação com o personagem principal chegam a ser redundantes. A primeira delas é a de que o herói do filme é Wagner Moura que está em alta nas novelas da Globo.

A segunda é que o Capitão Nascimento e seu colega são os únicos personagens que tem profundidade psicológica: Nascimento é casado, tem uma mulher que espera um filho e tem crises existenciais. Os demais personagens são superficiais ou, como se gosta de dizer no teatro, são personagens-tipo (os policiais militares, a classe média e o pessoal da favela).

O filme tende que vejamos tudo pela ótica do Bope, de um policial humanizado, que é assim porque as condições da realidade brasileira o tornam tal como ele é. É aí que reside o ponto fraco do filme: quando cruzamos a estratégia narrativa usada pelo diretor e o tema que ele quis tratar.

Abro a revista Época e encontro uma entrevista realizada com dois tenentes do Bope.


“ÉPOCA – Existe algum fator positivo no filme [A Tropa de Elite] para o Bope?

Pinheiro Neto – Parte da população pode se mirar num policial, ver esse policial como um exemplo e acreditar no trabalho dele, isso é uma coisa positiva. Apesar da gente ter verificado que as ações do filme envolvem abuso de autoridade e tortura, de um modo geral a população quer é uma polícia que resolva o problema dela, e isso ela viu no filme. Ontem encontrei um policial em São Paulo, e ele me disse que desde o Vigilante Rodoviário a gente não tinha um policial herói. O Capitão Nascimento virou um herói policial.” (ÉPOCA out.2007, p. 94).

Ubiratan – Já temos até caso de crianças que estão fazendo filmes como policiais no Bope e colocando na internet. Também sabemos que nas brincadeiras de polícia e bandido nas favelas agora as crianças estão querendo ser do Bope. Se querem ser do Bope, é porque acham que o Bope é do bem. Isso é ótimo. Mas, se estão fazendo isso porque acham o Bope mais violento ainda, isso é preocupante.


A narrativa do filme, cujo ponto de vista é completamente centrado no herói policial, gerou um efeito colateral: o de ter criado e reforçado o ponto de vista daqueles que acreditavam que a solução para a violência urbana é mais polícia. Ainda mais se for o Bope do filme: uma polícia honesta, mais que utiliza – de vez em quando - a tortura por uma “boa causa”. A intenção crítica do diretor pode ter saído pela culatra.