quarta-feira, 4 de julho de 2007

NIILISMO E SINCRETISMO (II): O NEO-REALISMO LATINO-AMERICANO.

por Diego Haase


Se só a alegria pode responder pela tristeza, apenas teremos no nosso roteiro simples atores passivos de um ecossistema que não pode ser transformado por eles mesmos, no qual apenas interferem com crenças e sensações traídas para contrapor com a sua tristeza momentos e encontros que terminam se tornando uma solidão. Como vemos o desencanto neo-realista sim! Se “aplica” ao cinema Brasileiro e Nordestino como por exemplo no “o céu de Suely” de Karim Ainouz, onde a personagem principal, Hermila , sofre o abandono e o desamparo e decide rifar seu próprio corpo , ao igual que no média de De Sica “A Rifa” do final dos anos 60, onde Sophia Loren se oferece como prêmio de uma loteria em Nápoles. Filmes que concentram um olhar neo-realista dentro da realidade que abordam pessoas simples, porém universais, tratando dos problemas humanos que se manifestam com o “sincretismo” do acontecer em Nápoles nos anos 60 ou no sertão do Ceará no ano 2006, caracterizando o ressurgimento de sistemas narrativos do neo-realismo no terceiro mundo, seja no Brasil, na África ou na Ásia. .

O Brasil, e o Nordeste, em particular a Bahia, tem sim, uma diferença com outros paises do “terceiro mundo”, algo que há séculos vira um espanto em torno de uma “falsa alegria”, como nenhum outro pais na América Latina, as ligações coloniais de subordinação e paternalismo estão fortemente atualizadas, o barroco da história, ou bem, essa modernidade que não chega romantizando o passado, faz que o império não seja “o inimigo”, mas sim o percussor de uma falsa identidade que determina essa diversidade de fronteiras virtuais e falsos signos de pertença, para os quais se há misturado a vida como função (olhares meramente funcionalistas no cinema) e a vida da tradição atrasada na modernidade, perpetuando assim, uma continuidade bélica de dominação colonial.

Teríamos que reconhecer que essa cultura de “re-existência” é - de fato - uma RESISTÊNCIA! que a diferencia de “coexistir”, como parte diversificada do mangue-, procura lutar a séculos pelos seus direitos. Já que ainda hoje em “nossos dias” o Estado continua oprimindo as maiorias excluídas, negros e negras, índios e índias, sertanejos e sertanejas, herdeiros da luta contra a escravidão, e que tem que continuar RESISTINDO! à pobreza.

Quem olha para a Bahia barroca reconhecendo nela uma eterna alegria de superação do sofrimento em pro de um olhar pra alegria, embora com a ajuda dos Deuses africanos, enfrentando a evangelização de massas afro-descendentes, sabemos que não enxerga uma superação enquanto à escravidão, embora esta se chame pobreza e abranja um 80% dos baianos em sua maioria negros. Isso não é diversidade, senão a realidade de uma população que continua sofrendo um sistema escravocrata agora manifestado pela exclusão social de viver na pobreza, enquanto uma minúscula minoria da aristocracia dominante de filhos/as do império, se apodera dos símbolos e das artes produzidas por uma industria cultural milionária no Brasil, uma minoria de “acomodados” dispõe dos usufrutos da maioria dos aparelhos culturais do Estado e é, também, a distribuidora e a pioneira das novas tecnologias com as quais decide e vislumbra com um carnaval de mangues e siris diversificados, o poder de marcar o ritmo da chegada da modernidade e suas tecnologias. Isso é o que degrada o mangue, tão diversificado, o que trai à tradição, esquecendo dos índios, do sertão e da África...

Onde diz respeito ao desencanto, dos filmes e suas realidades latino– americanas não vejo ali uma tristeza, senão uma massa em estado de unidade que se reconhece e se identifica pela sua situação ante esse desamparo, reconhecendo uma identidade coletiva, frente a qual nem a religião nem o Estado garantem a tradição: uma guerra no filme de Gobadi “tartarugas podem voar”, um estado de decadência no pântano de Lucrecia Martel. Estes, entre outros tantos, são ecossistemas fílmicos onde o encontro dos personagens e sua revolta contra os falsos estandartes da realidade, recaem com a sua fúria num olhar de mundo que rebela onde as partículas da tradição foram traídas e ultrajadas, e proclama um grito no silêncio das sensações de quem assiste esses filmes.


Making off do Filme Tartarugas Podem Voar
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O cinema tem que ser político. A política do filme é aquela que se manifesta em prol de denunciar o niilismo, a falsidade encantada dos signos já há tempo sem sentido; aquela que re-significa as verdades absolutas de dominação ideológica, dando lugar a novas vozes e sentidos que determinem um olhar comprometido sobre as sensações que atingem o ser social e a sua atualidade, seja esta no Irã ou na Argentina, universalizando os signos em prol de uma linguagem cinematográfica que comunique através das fronteiras pré-estabelecidas, e leve em si mesma uma verdade transformadora, que além de encantar o olhar, revolte a alma e esquente o sangue da nossa transcendência, através de personagens revolucionários que abandonados dentro de um pântano, ou uma guerra, com a força da sua alegria ou da sua tristeza, possam projetar a liberdade!

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