quinta-feira, 23 de julho de 2009

"O cinema é a paixão da figura humana".
(Jean-Louis Comolli)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Álbum de família: cinema-político pelos labirintos da memória

por Rodrigo Araújo

Na noite de 02 de junho de 2009, no Espaço de Cinema Unibanco, mais conhecido como Cinema Glauber Rocha, no centro da cidade de Salvador, Bahia, houve o lançamento de três do conjunto de seis filmes selecionados pelo DOCTV IV e DOCTV BAHIA I. São documentários, em formato para TV, sendo que somente três deles foram finalizados até a data prevista. Além de “Champs”, de Felipe Costa Kowalczuk, e “Profissão: palhaço”, de Paula Gomes, foi exibido “Álbum de família”, de Wallace Nogueira. A exibição dos três foi simultânea e assim fomos todos levados a escolher qual dos três optaríamos por assistir. Após longa apresentação do projeto e agradecimento aos senhores presentes e não presentes, o secretário da nossa cultura local alegou razões pessoais e se dirigiu a outra sala para assistir ao trabalho de Paula Gomes. Sem dúvida alguma, por razões também pessoais, fiquei na sala em que estava e, com a sutil diferença de que não sou secretário da cultura, não precisei me justificar para assistir “Álbum de família”.

Formado por uma equipe de jovens realizadores, o filme narra uma história que teria tudo para incorrer no mais estrito personalismo. E, no entanto, somos surpreendidos violentamente pelo inverso, para nossa feliz surpresa. O diretor Wallace Nogueira vai até Feira de Santana, no interior da Bahia, encontrar seu pai na esperança de reaver o álbum de fotografias de sua família, fragmentada desde a separação de seus pais e o consequente câncer desenvolvido pela sua mãe, o que a leva à morte. Ao chegar à sua cidade natal, Wallace é comunicado pelo pai que o álbum está na antiga fazenda da família, agora penhorada em função da grave crise financeira em que vive. Os dois decidem então seguir até a fazenda, nos confins da Chapada Diamantina, para o resgate do álbum, o que dá ao filme ares do mais legítimo road movie, graças, sobretudo, aos belos planos realizados pela direção de fotografia, uma das forças do filme.

O reencontro entre Wallace e seu pai é marcado por cenas de ressentimento, alegrias, queixas e tristeza, um fio de tristeza que atravessa todo o filme, mas também uma ternura que o acompanha com fidelidade. Durante o trajeto pela rodovia, o diretor decide parar o automóvel em um monumento antigo em que seu pai sempre o levava para brincar de escorregar sobre um papelão, como quando a família ainda reunida ia à fazenda. Como no passado, os dois brincam juntos. Uma bela cena que por si só nos diria muito. Nenhuma música, nenhum depoimento, nenhum plano americano, nada do convencional documentário (aliás, em todo o filme), apenas uma fotografia delicada e uma luz intensa que nos fazem chegar até o âmago das memórias melancólicas daqueles dois homens naquele lugar. Em seguida, eles retomam a rodovia e decidem parar para uma refeição. Um jornal sobre a mesa do restaurante nos entrega o destino da obra: ele anuncia a reestreia do primeiro filme de longa-metragem baiano, feito ainda nos anos cinqüenta, um filme cujo título é justamente “Redenção”, de Roberto Pires. A aparição desse jornal parece nos dar a pista para dois direcionamentos do filme que se entrecruzam. Um diz respeito à redenção de Wallace Nogueira com o seu pai, o outro diz respeito à redenção do cineasta com o cinema baiano. A memória atravessa o filme, ela está no álbum almejado, mas também em cada gesto dos “personagens”, e também em cada movimento de câmera.

Passados alguns poucos dias após a estreia do filme, eu estive no Largo Dois de Julho, também no centro da cidade de Salvador. Quando encontrei com Marcelo Matos, produtor do filme, comentei-lhe algo como o tamanho de minha satisfação diante do tratamento que foi dado ao filme em relação ao tema da memória, no que ele me interpelou dizendo ter sentido algo muito próximo quando assistiu, em 2005, ao curta-metragem de ficção “O anjo daltônico”, do jovem cineasta baiano Fábio Rocha, cuja temática também remete à memória. Não obstante, o próprio Marcelo escreveu, em 2008, uma premiada crítica sobre o também ficcional “Eu me lembro”, de Edgard Navarro, em que se podia ler que se trata de “um filme de memórias onde a motivação principal da personagem é narrar a si mesmo”. O que faz então Wallace Nogueira ao longo de “Álbum de família”?

Sem dúvida, não coincidentemente, ele narra a si mesmo. Mas como narrar a si mesmo? O encontro com os dois filmes supracitados se não delineia, ao menos nos dá um panorama da linha de interesse e da forma de cinema em que “Álbum de família” se insere, ou ainda da forma como narra a si mesmo. Uma forma que quer se descobrir, um interesse de se reinventar saindo das entranhas de si mesmo, ainda que esse si mesmo seja uma zona desertificada ou um cadinho da dor. Tanto o filme de Navarro ou mesmo o curta-metragem de Fábio Rocha se encontram comprometidos com essa narrativa de si, cada um, naturalmente, ao seu modo e dentro do alcance de cada formato. Condição do atual cinema baiano ou de um certo cinema baiano? Talvez ainda seja cedo para afirmar. O certo é que Wallace Nogueira sai em busca da maneira de realizar essa narrativa e, ao explorar seu domínio privado, ele termina por exaltar o domínio coletivo próprio do cinema utilizando-se de um primor formalista absurdo.

Ao invés de resvalar em interpolações infinitas daquilo que foi seu passado ou nos apresentar uma anedota ressentida de sua vida pessoal, Wallace imerge em sua vida privada, mas emerge em tempo, sem que ele ou o expectador caia na identificação com suas dores pessoais. Antes, ele atualiza seu passado sofrido na feitura de seu filme. Questões habituais que nos ocorrem como “estamos diante de um documentário ou de uma ficção?” ficam a carecer de sentido, restando apenas a certeza e a satisfação constante de estarmos assistindo cinema, um cinema de qualidade, de alta manipulação técnica das ferramentas fílmicas. Em seu isolamento mnemônico, Wallace flerta com o perigo de cair numa cumplicidade dispersiva de si mesmo e, assim, se embrenha num devaneio do qual normalmente o sujeito não quer mais emergir. O tema lhe é caro pessoalmente. Mas ele emerge porque compreende muito bem a exigência ética e política em não parar de sonhar. Wallace não deixa de concentrar energia no confronto entre seus sonhos e a vigília e, por consequência, enfrenta o real emergindo de si para o cinema. Sequência por sequência ele realiza uma passagem do plano individual para o político.

Individualmente o diretor vai ao passado, mas é coletivamente, apoiando-se na recente produção baiana e no seu domínio técnico e no da sua equipe, que ele atualiza sua memória. Existem outras passagens, mas creio que na penúltima sequência do filme isso ocorre da maneira mais brutal. É quando pai e filho, já na fazenda, se demoram revirando as fotografias do álbum. Histórias são passadas trazendo memórias repletas de saudades. A melancolia mais uma vez se instaura no ambiente. A imagem granulada reflete as envelhecidas fotografias da década de setenta. A essa altura o expectador está completamente absorvido pelo que vê e ouve. E não é exagero dizer que está quase a sentir o cheiro de uma fazenda inventada qualquer. Nossos sentidos são como que arrebatados por um estado dispersivo. Eis que de repente somos arrebatados de novo. Mas desta vez por um corte seco. Um corte que nos leva para uma imagem chapada no vídeo das mesmas fotografias. Do granulado para o chapado emergimos junto com Wallace para o real, uma saída do onírico, uma chamada para a política, para o gesto de estar fazendo um filme no Brasil, no Nordeste, no interior da Bahia, com absoluta consciência de como se faz. Estamos fazendo cinema! O diretor não cansa de nos avisar.

O que há de estimulante nessa obra é justamente o que ela defende. Ela é conscientemente perversa, fazendo eco a Roland Barthes, que viu no perverso uma forma de liberação. Essa liberação aqui é a capacidade de solapar a imobilidade diante do passado. Imobilidade diante da perda da mãe e imobilidade diante da não realização artística. E se não podemos garantir que a realização de “Álbum de família” redime o jovem diretor Wallace Nogueira de seu duro drama familiar, ao menos é certo que ele, nesse momento, redime o cinema baiano das longas avenidas desertas, dos hiatos e mais hiatos, que, desde “Redenção”, ainda nos idos dos anos 1950, infelizmente, podemos identificar ao longo da nossa história cinematográfica. Seja como for, nós temos certeza de que nosso secretário de cultura vai poder prestigiar esse documentário pela sua TV.

domingo, 5 de julho de 2009

Projeto Lanterinha


Lanterninha é um projeto de exibição de filmes brasileiros para alunos do ensino médio de escolas públicas de Salvador.

Através da criação de cineclubes nas escolas o Lanterninha pretende formar público, tornando a experiência cinematográfica acessível a quem nunca foi ao cinema. O projeto evidencia ainda, a necessidade de repensar o ambiente da escola tradicional criando maior diálogo do seu conteúdo com as novas linguagens da sociedade em que vivemos. Levando o cinema brasileiro para dentro das escolas, de forma sistemática, pretende-se criar condições para o desenvolvimento do pensamento crítico e o entendimento das diferenças. Através da nossa cultura retratada nas telas, propomos aos jovens que fortaleçam noções de cidadania e identidade.


Acessem o site www.projetolanterninha.com.br