quarta-feira, 4 de julho de 2007

NIILISMO E SINCRETISMO (III): POR UM CINEMA MINORITÁRIO

por Marcelo Matos de Oliveira
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Primeiro, no que concerne ao que me referi como alegria e como tristeza, duas palavrinhas faladas cotidianamente, mas que na conversa abaixo [Niilismo e Sincretismo postado em 27 de junho de 2007] me referi a elas num sentido espinosista. Por isso fiz questão de colocar entre parênteses: “tristeza (a decomposição dos corpos e das idéias) e a alegria (a composição dos corpos e das idéias)”.

A alegria enquanto composição dos corpos e/ou das idéias significa dizer que quando sentimos alegria é porque uma determinada idéia ou um determinado corpo entrou em composição com o meu corpo e/ou idéia aumentando, com isso, a nossa potência. A nossa consciência age recolhendo deste encontro o efeito de alegria. Depois do encontro, ambos saem mais potentes do que eram. Por exemplo, quando converso alguém e esta pessoa compõe com o que eu estou pensando e vice-versa, aumentamos com isso a nossa potência.

Porém, se ao invés de uma boa conversa fosse uma briga, aí a relação entre os corpos não seria mas de composição e sim de decomposição, de tristeza.

Se Espinosa é o príncipe dos filósofos, é por que a sua Ética denuncia os afetos tristes. “Espinosa” – diz Deleuze – “não cessa de denunciar três espécies de personagens: o homem das paixões tristes; o homem que explora essas paixões tristes, que precisa delas para estabelecer o seu poder e o homem que entristece com a condição humana e as paixões do homem em geral” (DELEUZE, p. 31). Respectivamente, o escravo, o tirano e os guardiões das verdades (Deleuze fala do padre).

Seguindo o rastro de Espinosa podemos dizer que a alegria dos negros da Bahia de outrora é um efeito de um movimento de re-existência (existir de uma outra forma). Formas de estar-juntos. E não apenas de um olhar que se dirige àquela época querendo recolher apenas alegria. Já não somos tão nostálgicos assim, né papá?

Numa Bahia em que Gregório de Mattos vociferava "Triste Bahia! Ó quão dessemelhante. Estás e estou do nosso antigo estado!", as festas, o lundu, a umbigada eram momentos, com certeza muito poucos, em que os negros eram livres, que deixavam de serem escravos e tornavam-se reis e rainhas. Poderiam dizer que estamos falando de um território simbólico, já que o mundo "real" era duro e cheio de pelourinhos. E isto ainda perdura até hoje, já que sofremos seqüelas do processo de colonização escravocrata.

Mas é o efeito da alegria, que quero pontuar - que não é uma alegria falsa, a não ser que tomemos "alegria falsa" como "alegria passageira". Porém mesmo passageira é a alegria que garante o bom encontro entre os corpos e as idéias (Espinosa falaria o contrário: é o bom encontro que gera a alegria). E é exatamente pela capacidade de termos bons encontros que podemos estar-juntos e só estando juntos para poder reinventar o mundo. (Claro que eu estou considerando aqui de uma práxis deste estar-junto).

Se o “desencantamento do mundo” foi a falta de sentido que as religiões operaram sobre a magia, instituindo uma outra vida” nos céus em contraposição aos deuses terrenos, como rastreou Max Weber; se o “desencantamento do mundo” foi a falta de sentido que a ciência operou na religião através da busca de nexos causais para explicar tudo, será que podemos dizer que o nosso mundo nordestino é completamente desencantado?

O que é o Ilê passando? E aquela alvejante manta que é os Filhos de Gandhi? Quem é Riachão que anda pelo Garcia com suas roupas coloridas, sua toalhinha alva no pescoço a lançar gritos ao ar? O que é o Nego Fugido de Acupe com a boca rubra de sangue a escorrer? E os Orixás que ainda não se cansaram de encantar os terreiros? Ou o toré dos Trucás, estes índios guerreiros de nosso sertão, que batem os pés ao chão para os encantados descerem? Em suma: se nunca fomos modernos, como podemos agora ser niilistas?

E aí a questão resvalada para área de nosso interesse: como pensar um cinema que aumente a nossa potência como latino-americanos, nordestinos, índios, negros, mulheres, sertanejos? Como um cinema pode forjar uma identidade que aumente a potência daqueles que a tomam? Como pensar um cinema minoritário que faça o cinema das elites gaguejar numa variação contínua, que faça o Cinema variar numa multiplicidades de cinemas. A(r)tivismo. "O cinema tem que ser político" – bem disse Diego. Se há um Ecossistema Fílmico deverá haver uma Ecopolítica dos Signos Audiovisuais. Está fundada uma nova área de estudo :-).

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