domingo, 22 de julho de 2007

A EXPLICITAÇÃO DO MÉTODO NO AUDIOVISUAL

(trecho de uma conversa realizada por e-mail entre Marcelo Matos e Aline Frey, 22/04/2006)

Retornando aos neo-realistas... Os neo-realistas conseguiram produzir, talvez até mesmo sem querer, todas essas imagens-tempo, das quais falamos com Deleuze no outro e-mail. No entanto, a uma outra imagem que vale a pena ser considerada que seria uma espécie de imagem igual aquela que presenciamos no meio de um sonho e que faz você se relembrar: “ Isso é um sonho”. Uma imagem que lhe relembra um outro estado de consciência, a vigília no caso, mas sem lhe retirar do sonho no qual você estava imerso.

Não sei como chamaríamos essa espécie de imagem. Mas enfim... Os neo-realistas ainda se instauravam num cinema-representação. Eles acreditavam que fazendo um cinema com os atores do próprio contexto em que iriam filmar, estariam criando uma nova-realidade, talvez mais convincente do que aquela filmada com atores profissionais. Aqui temos a idéia de que o filme é uma obra fechada e que cabe ao diretor não deixar nada vazar para que o espectador tenha a nítida sensação de que tudo aquilo é real, de que aquilo é a Verdade. È neste sentido de que falamos de um cinema-representação.

Com Glauber Rocha, por exemplo, o filme cria uma abertura aterrorizadora que chega ao seu ápice em A Idade da Terra, um filme completamente aberto que escancara os seus artifícios, que mostra a plasticidade objetal dos atores (“aquela cena de Glauber segurando o rosto de um ator e balançando-o como se fosse um boneco”), que mostra como o filme foi feito. "Eu Me Lembro" de Navarro deixaria essa sensação no final, quando depois de uma série de lembranças psicodélicas (imagem-tempo) a grua aparece na festa e o diretor rapidamente escorrega pelo canto da tela. É como se depois de uma longa viagem... “tudo o que se passou não passou de um filme”.

Se o mundo é um conjunto de imagem, inclusive o nosso próprio corpo, como disse H. Bergson, a nossa memória é uma ilha de edição.

Não tenho ainda um conhecimento histórico do cinema para precisar quando o cinema começou a mostrar os seus artifícios (isso daria até uma pesquisa interessante: como o cinema se mostrou em quanto cinema em ato?). Mas o que interessa é precisar exatamente esse deslocamento da 'imagem como representação de um território' para a 'imagem como modo expressivo do território'. A pergunta não seria mais “que imagem escolheríamos para nos representar” e sim “com qual imagem queremos expressar o que temos a dizer”. Um cinema máquina-de-guerra e não mais um cinema que representa o real.

Assim, se falamos em vídeo-processo estamos nos referindo a um vídeo-método; um filme que não deixa o espectador sair dele como se o filme fosse uma verdade. Um filme que constantemente relembraria, através de seu próprio método de realização, ao espectador: “não se iluda. Isso é um filme”. Talvez seja nesse sentido que Dubois desloca a “impressão da realidade” do cinema e a substitui por uma vertigem do vídeo. Aquela vertigem de estar num sonho fugindo de algo e de repente nos precipitamos num abismo. Ninguém mais irá encobrir o abismo que está logo abaixo de seus pés. Ninguém mais pensará por ninguém. O abismo será, a partir de agora, a condição da experiência do audiovisual.
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PS: Olha só como este texto do início de 2006 se aplica a Santiago de João Moreira Salles que assistimos semana passada.

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