segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

CHARLES CHAPLIN: ou quando povo se faz imagem


Foi primeiramente com Charles Chaplin que o povo se fez cinema: “Chaplin ilumina o século XX, porque nele o Povo se faz Imagem”, gritou Glauber Rocha: bombeiros, caixeiro, doceiro, aprendiz, emigrante, comunista, noivo, operário, patinador, maquinista, soldado, músico, peregrino, artista de circo, marinheiro...

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Como é possível “ser tão sozinho em meio a tantos ombros,/ andar aos mil num corpo só, fanzino,/ e ter braços enormes sobre as casas,/ ter um pé em Guerrero e outro no Texas,/ falar assim chinês, a maranhense,/ a russo, a negro: ser um só, de todos,/ sem palavra, sem filtro, sem opala”? (DRUMMOND, Carlos. Canto ao Homem do Povo Charles Chaplin. In: A Rosa do Povo).


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Transcrevo Glauber Rocha: “Em Chaplin estão condicionados valores eternos; por isso negou o originalismo, a masturbação artística e pseudo-inovadores de uma Arte que só nele se realizou como expressão de vida e que só em raros gênios encontrou continuação. Querer situa-lo como Cineasta não o justifica; Chaplin é um complexo artístico que transcende ao Cinema” (In: ROCHA, Glauber. O Século do Cinema).


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Walter da Silveira viu Chaplin transcender o indivíduo rumo a uma profundeza social exatamente na passagem de ‘Luzes da Cidade’ para ‘Tempos Modernos’.

Até Luzes da Cidade, filme anterior a Tempos Modernos “a arte chapliniana consistia no homem chapliniano, em Carlitos, o vagabundo da cartola, da bengala, das botinas rotas e do bigodinho que Hitler plagiou. Era uma arte tirada da vida, era mesmo a vida filmada, tal a ausência de ficção nos seus argumentos. Mas, era, também, uma arte olhada sob o prisma individualista, uma arte que vivia em função de uma personalidade – paria medroso e perseguido, que via na fuga a única solução possível para as suas atribulações. Desaparecido o homem, desapareceria a via, desapareceria a arte: o mundo de Charlot. [...] É o que não acontece em Tempos Modernos. Neste predomina a arte social esta é dirigida num sentido político. O homem chapliniano continua existindo, mas a sua individualidade já interessa menos do que a vida que ele representa. [...] Não é mais ‘um homem perdido no mundo’, ‘inconsciente do seu drama’. É agora alguém que conhece o sentido da existência e que sabe quanto a liberdade é inútil quando não recursos econômicos para gozá-la. Seu aspecto exterior de antigo vagabundo esconde a intima aflição do atual operário, lançado ao desemprego pela mecanização estúpida das fábricas. Carlitos tornou-se um sem-trabalho em busca de colocação, um representante numérico de todo uma classe sofredora” (SILVEIRA, Walter. O novo sentido da arte de Chaplin. In: Revista Ângulos, n. XII, ano VII, dez., 1957, p. 113-117)


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“Ó, Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e esperança” (Drummond).


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“E no fim, aquele quadro genialmente simples, genialmente expressivo, aquele desfecho alegórico como só dois homens sabem fazer no cinema – Chaplin e King Vidor: a estrada longa e deserta, anunciadora de uma nova vida cheia de liberdade, envolta no fulgor da alvorada” (Walter da Silveira).