segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O NEGO FUGIDO: Um olhar em conflito

Por Diego Haase

Também tive a sorte de acompanhar na Sala do TCA o curta baiano “O Nego Fugido”, de Cau Marques e Marília Hughes. Neste filme, inteligentemente, podemos destacar que o ponto de virada para uma narrativa em pessoa é fazer do espectador o espetáculo.

Mas quando no filme os nossos protagonistas se tornam ingenuamente “vítimas” e não a consciência da expressão cultural da manifestação regional que registram, perdemos o gosto pela universalidade, na qual temos a oportunidade e a potência de abordar questões que são do mundo e não apenas particularmente dos turistas que visitam Acupe. Isto nos faz pensar que ainda o cinema baiano aborda a nossa classe média como um dispositivo não “protagônico” e passivo, onde o verdadeiro interesse é insinuar e não tratar as nossas próprias contradições.

Embora o filme nos direcione para uma interpretação implícita dos acontecimentos, o cenário já está montado, os atores interpretando, a cidade aguardando e os turistas chegando, o universo fílmico carece da potência e da escolha dos sintagmas, fazendo dos signos narrativos, os elementos aparentes da nossa contradição. Estamos indo registrar na nossa câmera uma festa tradicional para a qual não fomos convidados. Filmar de cima para baixo, da direita para esquerda, tentar interpretar o som embolado, exigir do espetáculo a dramaticidade do real, nos faz procurar - na interpretação teatral da violência nos rostos negros em close up pintados de preto - a razão pela qual os turistas perseguem os perseguidos se tornando suas vítimas. A INGENUIDADE.

Para este fim, o Nego Fugido apresenta uma linguagem fotográfica cuja estética de câmera na mão, sem enquadramento fixo, com predominância subjetiva na composição de valor de plano, faz com que o espectador seja colocado na beira do registro vídeo-gráfico, na vertigem do olhar turístico. Assim, o exótico regionalismo de uma manifestação cultural, se volta para uma estrutura narrativa linear desdobrada em uma intenção de intangibilidade entre um cinema documentário e ficcional. Sem intenções de intervir, Cau e Marília nos propõem mergulhar em um gênero cinematográfico que poderíamos chamar de “falso” olhar de estrangeiro. Um casal de jovens brancos são os personagens que traçam o fio da estória mas pela sua idade e a sua ingenuidade não logram mergulhar no fundo da questão do Nego Fugido: a escravidão.

Trocando esse tema pela “ingenuidade”, apresentam o fraco dilema do homem branco que lava a sua face preta e volta branco, para sua vida de classe média, e uma história insuficiente do homem negro que pinta sua face negra para ninguém lavar a sua história.

Ficando na vertente da falta de um cinema, mais neo-realista, onde a manifestação e a construção dos personagens protagonistas se torne o manifesto da intervenção do narrador, permitindo transmitir um discurso mais sólido e estruturado que faça com que o conflito do humano se concentre na verdade do cinema e não no verdadeiro do acontecimento.

27 comentários:

In Time disse...

compadrito, concordo com essa igenuidade que vc aponta na abordagem da manifestação e do que ela simboliza. Acho duas coisas em relação a isso. Primeiro que essa inversão pura e simples de papeis talvez funcione, pensando mesmo politicamente, num conexto de discussões da questão racial como temos agora aqui no Brasil, de adoção de medidas a la experiência norte americana de segregação racial, que aplicadas a nosso contexto parecem saidas retrogradas e simplificadoras. Por isso não achei uma boa "solução" estabelecer como eixo narrativo uma cilada para que os jovens-turistas-brancos, digamos asim, caiam em si para o fato historico que está implicado na manifestação. Pensando do ponto de vista da manifestação, acho que essa apropriação, cilada-humilhação, foi indevida. E não quero aqui estabelecer como parâmetro a narrativa tradicional da própria manifestação, afinal estamos falando de um filme de ficção. Mas, no meu entender, mesmo no campo da ficção podemos sim discutir o quão é interessante e apropiado a utilização de pessoas e conextos para tramas e enredos de filmes ou peças ou novelas, ou seriados ou afins. Gostei muito da introdução do filme Nego Fugido, e criei uma boa expectativa. Mas o desenrolar da trama me afastou do filme por esses motivos que expus acima. Pois é, foi mais ou menos isso que achei de prima. Outras impressões podem se sobrepor...

Marcelo Matos de Oliveira disse...

Pois é Bruno... por isto apontei "Nego Fugido" como um filme de crise. A empreitada a qual o filme se lança ultrapassa – e muito - a capacidade de dar conta da questão.

Em Nego Fugido, ainda se precisa deslocar a classe média para o Recôncavo, precisa-se do escravo para poder a classe média dizer quem é. Esta é a crise que o filme se insere. E aí a falta de tato é normal – mas discutível. E a ingenuidade, que se revela em Nego Fugido, não é tão diferente daquela quando discutimos um assalto que presenciamos ou sofremos no semáforo (como me disse Diego). A inversão caçador-caça tratada no filme está dentro destes parâmetros e deles não sai.

Se na Antropologia, na História, nos Estudos Culturais, na Sociologia e na Psicologia produzidas aqui na Bahia esta discussão está muito mais avançada, inclusive levando em conta o cenário internacional, o cinema parece estar ainda engatinhando.

E exatamente por isto o filme caiu nos riscos que você muito bem aponta: na apropriação, talvez, indevida, de uma manifestação cultural e na ingênua inversão da relação caçador-caça.

Independente do filme ser bom ou ruim, quando localizamos “Nego Fugido” dentro da série das fitas que vieram sendo produzidas na Bahia, ele avança no sentido de romper com os filmes feitos no sertão e os filmes que tomam as crianças pobres como protagonistas. Neste sentido, ele inseri um elemento que ficou esquecido desde a época em que Felipe rodou “Suburbanos”: a classe média como protagonista da história. Tenho a intuição de que “Nego Fugido” inaugura alguma coisa que talvez só vamos compreender com uma filmografia que ainda está por ser feita.

Unknown disse...

Diego,
eu também detestaria esse filme que você viu.
Fica para o próximo!

Marcelo,
“Se Freud assistisse a "À Deriva", ele dedicaria ao filme um texto magistral, não sem reafirmar, mais uma vez, que encontramos mais saber na ficção da arte do que nos esforços de expor nosso entendimento.”
Contardo Caligaris, sobre À Deriva, na Folha de quinta

Um abraço,
Cláudio Marques

Marília Hughes disse...

Bruno,

quando você fala que o filme se utiliza do Nego Fugido de maneira inapropriada, entendo que você sabe qual a maneira correta da representação do outro. Uma posição purista de quem trata com todo pudor o tradicional e assim acaba por produzir representações unidimensionais.

Se há uma crise, como fala Marcelo, não é porque o curta mostra a classe média na tela. Isso fez Pedro Léo em “E aí irmão?”. Estamos tratando, entre outras coisas, da questão da representação que enfrentamos como realizadores. Dessa impossibilidade de tradução de algo que muitas vezes só pode ser vivido, é corpóreo, físico...

Parece-me que você viu o filme com um filtro que separa o que é ou não apropriado ao lidarmos com manifestações populares, o que lhe afastou das questões que considero mais interessantes sobre o nosso curta. Respeito a sua opinião, assim como a de Diego, apesar de considerá-las, aí sim, ingênuas e também conservadoras.

Que vocês consigam alcançar, nos filmes feitos por vocês, a “verdade do cinema” e a tal “consciência da expressão cultural da manifestação regional”, mencionadas por Diego.

Mais uma coisa, usar o termo “turista” para falar dos dois jovens deixa ainda mais claro para mim a distância de vocês do curta.

Abraços,

Marília

Unknown disse...

Diego,
Por que chama os protagonistas de “Ingênuos”?
Por que chama os protagonistas pejorativamente de “turistas”?
Por que diz que filmamos de cima para baixo?
Que gênero é esse, “falso olhar estrangeiro”?
O que é “a expressão cultural da manifestação regional”?
Qual é a verdade do cinema?
“O universo fílmico carece da potência e da escolha dos sintagmas”?, o que você quis dizer?
Tratam-se de idéias jogadas a esmo, sem a generosidade de diálogos mínimos. Não se fala de plano, fotografia, história, narrativa, montagem, luz, atuação. Não se fala de cinema.
As coisas estão postas para o ataque, extrapola em muito o cinema, tem razão noutro lugar.
Cláudio e Marília

Marcelo Matos de Oliveira disse...

Mari,

o meu ponto de vista é que a crise que Nego Fugido se coloca está exatamente na paralisia dos dois personagens frente à experiência que atravessam. O rapaz se move no sentido inverso - não do enfrentamento, mas da sua submissão ao acontecimento - e a menina que não consegue reagir.

Isto não se encontra em Suburbanos. Em "E aí Irmão?" de Pedro Léo, eu não posso dizer pois não vi.

Se a classe média já foi protagonista em alguns filmes da “Retomada do Cinema Baiano”, foi mais como exceção do que como regra. E é isto que eu aponto. E para mim foi o que me impressionou em Nego Fugido.

Mas uma crise nunca vem sozinha, outras devem haver...

Eu particularmente gosto de escrever sobre o audiovisual mais pela “lógica da sensação”e menos por meio da “lógica da representação”. Mas aí são coisas para desdobrarmos... mas passa um pouco pelo trecho que Cau citou de Caligaris... Há mais verdades nos signos da arte do que em qualquer outro tipo de signo.

Mas antes, ou depois, de qualquer coisa, rsrsrsrs... queria parabenizar vocês... de coração... tanto pelo filme como por esta conversa que está acontecendo de maneira aberta e franca.

Abraços
Marcelo

VOGAL disse...

Cláudio, Se todos assistissem ao “mesmo filme” com certeza esse filme seria limitado. Porque das vertentes do olhar e dos labirintos da percepção se alimenta a narrativa e se diversifica o conhecimento cinematográfico. Este vem sempre associado a nossa própria experiência. O filme não finaliza no suporte nem na sua idealização, as obras se executam ante o olhar do espectador e aí, sua transformação extrapola as suas expectativas, talvez inclusive as do próprio artista... Por isso discutimos a universalidade e a representação no cinema.

Eu sequer comentaria, se tivesse detestado o filme que você diz que eu assisti. Acho que no Nego Fugido há um aprendizado, uma busca cinematográfica que pretende desarticular o mundo do real e propõe tencionar o mundo do realizável. Sem dúvida, se o caminho é esse, o próximo! Também me mobilizará para continuar comentando.

Parabéns! Por mais um filme realizado e pela premiação de O Nego Fugiodo como melhor curta brasileiro no V SEMCINE.

Um abraço,

Diego.

VOGAL disse...

Cláudio e Marília: Confesso que estou surpreso com a reação de vcs...


Por que chama os protagonistas de “Ingênuos”?

(...“os turistas perseguem os perseguidos se tornando suas vítimas.”...) Na escolha da representação dos atores, os olhares perdidos, assustados, até chegar na humilhação (isto preferi não mencionar no meu comentário) são elementos dramáticos que caracterizam, na minha interpretação pessoal, a ingenuidade.

Por que chama os protagonistas pejorativamente de “turistas”?

Não, pejorativa é sua interpretação do uso do termo “Turista”, sem dúvida e com razão, contextualizado pela exploração turística na Bahia. Nesse contexto, usei o termo para me referir a pessoas que visitam um lugar ao qual não pertencem.

Por que diz que filmamos de cima para baixo?

Estou descrevendo um movimento de câmera perdida, o cenário clama por essa composição.

Que gênero é esse, “falso olhar estrangeiro”?

É a contradição a que faço referência como o mais interessante do filme. Sobre o que poderíamos estar falando...

O que é “a expressão cultural da manifestação regional”?

O Nego Fugido, claro!

Qual é a verdade do cinema

Para mim, pessoalmente, eu opino: (...“O conflito do humano”...)


“O universo fílmico carece da potência e da escolha dos sintagmas”?, o que você quis dizer?

Considero que os sintagmas - Segmentos autônomos integrados por mais de um segmento mínimo. Um conjunto de planos agrupados em uma seqüência - não foram bem escolhidos para cumprir sua função de introduzir e caracterizar a história.

Tratam-se de idéias jogadas a esmo, sem a generosidade de diálogos mínimos. Não se fala de plano, fotografia:
(...”estética de câmera na mão, sem enquadramento fixo, com predominância subjetiva na composição de valor de plano”...)

história,
(...”o fraco dilema do homem branco que lava a sua face preta e volta branco, para sua vida de classe média, e uma história insuficiente do homem negro que pinta sua face negra para ninguém lavar a sua história.”...)

narrativa,
(...”narrativa linear desdobrada em uma intenção de intangibilidade entre um cinema documentário e ficcional.”...)

atuação,
(...”Um casal de jovens brancos são os personagens que traçam o fio da estória mas pela sua idade e a sua ingenuidade não logram mergulhar no fundo da questão do Nego Fugido: a escravidão.”...)

As coisas estão postas para o ataque, extrapola em muito o cinema, tem razão noutro lugar.

Estou tentando falar de cinema... Se eu lesse a crítica que você leu, ainda mais supondo que "há algo por trás", eu também detestaria. Por que vamos ter que deixar pra próxima?
Não da para levar essa discussão sobre cinema pra frente sem personalismos e suposições...
Abraço,

Diego.

Unknown disse...

Diego,
Fiquei surpreso com seu texto.
é óbvio que “turista” e “ingênuo” rebaixam nossos protagonistas; é óbvio que seis palavras não nos leva a entender o que é a fotografia desse curta; é claro que você não fala da atuação e trabalho de-e-com os atores. É óbvio que seu olhar pende para o negativo e aborta qualquer apreciação cinematográfica.
Respeito que você veja que a história se resume a “o fraco dilema do homem branco que lava a sua face preta e volta branco, para sua vida de classe média, e uma história insuficiente do homem negro que pinta sua face negra para ninguém lavar a sua história.”, mas lamento o raciocínio até mesmo por lhe conhecer e o ter em alta conta.
Nosso filme é aberto, não comporta mensagem, pode ser montado de diversas formas, pelas cabeças mais diversas. Não vou gostar de cada montagem e não busco isso, mesmo.
Seguindo esse mesmo pensamento, reluto em “explicar” (isto é, minha visão) o filme. Mas, o seu viés não me deixa escapatória.
Te digo que os personagens não são turistas (esse termo nos leva a uma visitação breve, rasteira, preguiçosa), muito menos ingênuos (eles sabem o que buscam, estão lá porque querem). Não há olhar perdido, há um enfrentamento curioso, durante todo o curta.
São dois jovens com sede de conhecimento e que são convidados a tomar parte de uma festa de uma forma inusitada. Mais do que uma festa, trata-se de uma vivência que o cinema, a câmera, jamais será capaz. A grande encenação! Tico é uma espécie de entidade que os convida à experiência.
O transe é a possibilidade de conhecer a nossa história por dentro. É a possibilidade do encontro.
Por sua vez, a inversão de papéis nos dá conta de que as diferenças existem, mas são temporárias. O colonizado ensina o “Pai-Nosso” ao colonizador. Os dois estão, ali, em pé de igualdade, com os rostos pintados. São iguais na diferença.
Léo não “volta a sua vida de branco”, como você escrevinhou. Seu rosto está manchado, sua vida marcada pela experiência. Léo torna-se a possibilidade do terceiro elemento, uma criação do Nego Fugido. Falamos de história, mas não trata-se nada aqui com ressentimento. A arte aponta para o futuro.
Paula compreende isso diante do rio, signo do fluxo da vida. Não há o que falar, a experiência artística ultrapassa qualquer tese da antropologia, da psicologia. A Léo foi dado o presente, até mesmo porque brincadeira no recôncavo é coisa de menino. Alguns acharão que Léo foi humilhado, outros, que ele recebeu uma grande dádiva!
Bom, poderia falar de outras coisas mais. Poderia falar da fotografia, do som, dos atores... mas, paro por aqui.
Resta uma pergunta: porque os sintagmas não foram bem escolhidos para cumprir sua função?
Abraços,
Cláudio

In Time disse...

Mari, vc me qualifica de tantas coisas... mas em nenhum momento eu faço qualquer manifesto purista da verdade Eu só expus o que senti ao ver o filme, e sem filtro algum, ou com os que são inevitáveis, mas certamente não esses que vc elenca. Pelo contrario, criei uma boa expectativa, como falei nesse pequeno comentário, do qual vc conseguiu destrinchar mais coisas do que seria razoável caso lêssemos apenas o que está escrito. Também não vejo por que ficar irritada com meus comentários, e acho que isso guiou o tom e o conteúdo de sua argumentação. Apesar de sermos amigos não temos tido muito dialogo ultimamente para que você possa saber quais destinos audiovisuais tenho buscado. Te digo só que estão, e sempre estiveram, muito distantes dos valores que você cita atribuindo a mim. Estranhei, confesso, sua reação. Mas teremos oportunidade de conversar téte-e-téte, se for o caso, é claro. No mais, me limito aqui a identificar essa tangente que não se referiu ao que comentei, nem ao que penso sobre essa expressão que compartilhamos em algum nível. Aproveito para parabenizar pelo prêmio recebido no seminário. Parabéns! e até breve.

Unknown disse...

Olá minha gente!

Quero parabenizar Cláudio e Marília por provocarem esta polêmica tão necessária. Eu assisti ao filme dois dias seguidos. No primeiro dia, fiquei bastante incomodada com o fato da comunidade negra do Recôncavo ser exposta praticando extorsão, assim como fazem aqueles vendedores de pulseirinha do Senhor do Bonfim no Pelourinho e no Mercado Modelo.
Eu trabalhei dois anos numa comunidade negra bem próxima à locação do filme. E como branca com uma câmera na mão, vivi uma experiência bem diferente da que tive nas ruas Salvador.

No segundo dia, passei admirar a fotografia, som, montagem primorosos no filme e perceber que o que causa me desconforto é mesmo uma questão política. Deve ser muito delicado fazer um filme de ficção sobre um tema tão contundente na nossa realidade. O filme é de ficção, mas o nome e o drama dos protagonistas permanecem o mesmo da vida real. No encerramento do seminário pude conversar com a atriz Paula Carneiro, que me relatou ter vivido uma situação semelhante na comunidade, quando uma mulher cobrou dinheiro para ser fotografada.
Paula, enquanto personagem do filme, afirma que aquelas imagens que está capturando são para ela, para o teatro, para a ficção. Mas e depois dessa apropriação cultural? Existiria algum retorno para comunidade?
Acredito que seria no mínimo justo. E melhor ainda que essa reação venha da própria comunidade negra, já calejada depois de tantos e tantos anos de expropriação, e da mais recente transformação de suas tradições em objeto de fetiche e canibalização pela classe média branca.

Ainda que sem intenção, o filme pode criar mais um estigma de um grupo que está secularmente na posição subalterna, ao passo que coloca o casal de brancos como vítima de humilhação. Coitados? Racismo as avessas ?
É o que diriam os teóricos reacionários que tentam minar qualquer luta por ações afirmativas no Brasil. Do outro lado, um grito de “Reparação Já” quebra o silêncio do cativeiro.

Após conversar com os realizadores, é possível compreender o propósito da inversão. Uma pena que nem todos os espectadores terão essa oportunidade.
Gostaria de saber o resultado da exibição do filme na comunidade do Acupe. Ou será um filme feito da perspectiva da classe média branca, para ser exibido no circuito glamoroso dos festivais onde circula a classe média branca?

Abraço a tod@s!
Camila Dutervil

In Time disse...

Camila, fazendo justiça, acho que quem suscitou mesmo o debate foi Diego, com sua crítica incisiva, provocante. Pelo que sei, isso não acontece por aqui com mita frequência. Por outro lado, acho que o debate renderia mais caso a iniciativa de contestar os argumentos expostos viesse não dos autores do filme, mas de pessoas que também viram e que discordam em algum grau do que foi escrito. Acho um pouco estranho ter o filme explicado tim tim por tim tim por quem o concebeu e fez. Nosso processo de significação segue padrões, mas creio que não tão determinados... Prefiro pensar que uma obra quando terminada torna-se autônoma. Lembrei até da grande sintagmática, mas não sei se é tão interessante para nossos dias essa apropriação.

Marília Hughes disse...

Bruno,

a sua compreensão da história do curta Nego Fugido parece se resumir à “cilada-humilhação”. Para você os personagens são turistas ingênuos e estão paralisados diante da situação. Você e Marcelo falam de “apropriação indevida da manifestação cultural” e isso porque Marcelo diz não se interessar por questões de representação... Mas, como ele não se interessa? Bom, tudo isso merece discussão...

O nosso filme não é sobre o Nego Fugido, é inspirado nesse forte teatro de rua e tem essa potente encenação como personagem. Nós criamos uma história a partir da própria dinâmica da festa, que você, me parece, conhece bem, caso contrário não poderia falar do que é “devido” ou “indevido” nessa representação.

Pois, o teatro do Nego Fugido é composto por caçadores e negas fugidas, que correm pelas ruas de Acupe. Os papéis estão postos pela dinâmica da própria festa. No filme, Léo, olho no olho do caçador, titubeia, mas aceita entrar do jogo da encenação proposto a ele. Recebe a situação e a encara de frente, mesmo sem saber onde vai dar. Encena aquele teatro popular à altura dos seus reais participantes, ali eles são iguais, atores, performances... numa situação de força, transe, improviso e agressividade, sim! Por que não? A história que serve de pano de fundo para o teatro do Nego Fugido não tem nada de fofinha. Estamos falando de um passado terrível, que não deve ser esquecido. O Nego Fugido trabalha esse passado através da arte, de forma belíssima e com extrema força.

Em Acupe, o Nego Fugido encena o seu teatro para os moradores com toda força, com arma na cabeça, com negas ajoelhadas no chão, com riso, com transe, com dança, com atabaque, e isso mesmo quando não se tem nenhum olhar estrangeiro lá para registrar...

Se há algo de indevido na maneira como colocamos o Nego Fugido em cena, acho importante vocês me dizerem: indevido por quê? Qual a apropriação devida? Vocês falam especificadamente do Nego Fugido ou os problemas detectados se aplicam à representação de qualquer manifestação cultural?

Nesse ponto, acho interessante contar um pouco do nosso processo. Eu e Cláudio nos propusemos a fazer esse filme depois que soubemos da experiência real de Léo e Paula quando foram a Acupe pesquisar o Nego Fugido. Na época, eles pesquisavam para a montagem da peça Reconco. Até então, nós nem conhecíamos o grupo. Uma vez decidido fazer o filme, antes mesmo de termos qualquer verba garantida para isso, portanto, um ano antes das filmagens, alugamos uma casa em Acupe e durante todos os domingos do mês de julho (quando eles se apresentam na cidade) nos dispomos a filmá-los, um registro sem nenhuma interferência da nossa parte. Diante da apresentação do grupo ficamos encantados com a força daquele imenso teatro de rua. Mas nada do que registramos em vídeo se equiparou àquela potência vista sem o filtro da câmera. Discutimos muito sobre como conseguiríamos colocar no nosso filme a carga de dramaticidade que nos impressionou. Bom, aqui poderíamos falar de tudo que ficou de fora do texto de vocês, trabalho com ator, fotografia, som, montagem... Por fim, acho que, na mistura desse ingredientes, conseguimos imprimir determinada potência, caso contrário, não teríamos muito o que estar falando aqui.

Exibimos o filme em Acupe e a reação foi muito diferente, não houve incômodo e sim muito riso. Após a sessão, um caçador veio nos dizer que, quando se viu naquele transe, em câmera lenta, ficou absolutamente espantado, fascinado com a própria imagem, com a sua “face gloriosa”...ele nos disse que não imaginava que era capaz daquele estado de transe, de intensidade... talvez aí estejamos saindo do campo da pura representação e indo a um outro lugar, extrapola.

Acho o debate produtivo, pelo menos houve chance de dizer o que penso sobre o filme que fiz numa colaboração mágica que espero ainda poder repetir um dia: com Cláudio, Paula, Léo, Tico, Nicolas, Simone, Vanessa, Wallace...cada um sendo grandioso em sua função.

Abrs

Marília

Marília Hughes disse...

Bruno, surpreendente que você não ache produtivo a nossa participação no debate... mas já que o discurso ganha mais credibilidade para você quando vem de outros, que não os autores, segue trecho de um menino que escreveu sobe o curta após ele ter sido exibido na Mostra de Cinema de Ouro Preto. Independente dele gostar ou não, ele puxa a conversa para outro viés... que pode ser produtivo nessa discussão.

por Gabriel Martins

Nego Fugido

Nego Fugido é um curta-metragem no mínimo desconcertante. O filme parece afrontar uma idéia de metalinguagem fácil, de pensamentos rasteiros acerca do registro – tão comuns no nosso tempo -, mirando uma subversão poética que traz o sentido da imagem para um local que, ao que parece, ainda nos é bem desconhecido. Está aí uma dificuldade enorme em analisar este filme: todas as possibilidades de resposta são falhas, inexatas, insuficientes. Este filme pede um olhar maduro. O registro em baixa resolução se confunde com o registro em alta, os atores que traduzem musicalmente uma representação cultural chegam, no confronto real, a demonstrar constrangimento. O cinema está na música tocada por eles, que toma o filme, se torna maior e declara uma postura diante daquelas imagens. As questões de falso ou verdadeiro, real ou ficcional, parecem ser um discurso superado dentro de Nego Fugido. O que existe ali são imagens conversando com imagens, reações se contradizendo, teatro sendo cinema, filme de terror, tudo com um cuidado e maturidade impressionantes.

http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/cobertura/699

Unknown disse...

Camila,
não temo o público, muita gente tem visto o Nego Fugido de uma forma ampla, sem preconceitos. Os debates que se segume são inevitáveis, pois mexemos num terreno cheio de donos.
A exibição em Acupe foi muito importante, muito divertida e leve.
Pode parecer estranho, mas o costume deles com o brinquedo do Nego Fugido conferiu uma leveza inesperada à sessão. Não teremos uma igual, tenho certeza!
Abraços,

Bruno,
é justo que nos coloquemos, sobretudo quando colocam nosso filme de uma forma tão canhestra. Reduzir Nego Fugido à “humilhação-cilada-apropriação indevida” é má vontade, nada além disso.

Segue texto de João Carlos Sampaio publicado em A Tarde:
“Já o curta "Nego Fugido", de Cláudio Marques e Marília Hughes, será mostrado na sexta(31), na mesma sala e horário. O filme é uma destas obras de difícil classificação, porque trafega entre os dois níveis da realização, o da ficção e o do documentário.

A trama parte da famosa manifestação popular do Nego Fugido para contar uma história desconcertante, de um jovem casal que viaja até Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação, e por lá experimenta de maneira mais que direta o festejo/mito em questão. Paula Carneiro e Leonardo França encarnam os forasteiros, misturando-se aos não-atores locais, como Judevaldo dos Santos e Edson Pinto dos Santos.

A obra é uma vivência que dialoga com o cinema etnológico do cineasta francês Jean Rouch. Busca aquele mesmo tipo de dramaturgia direta, calcada na interferência ficcional em meio a um registro que poderia ser apenas documental. Sua aparente despretensão é o grande mérito da obra, que lida com questões muito ricas sobre identidade e representação. 

Em seus pouco mais de 15 minutos, encontra espaço para sugerir momentos de tensão e latente ironia. Desafia o público a tentar entender a complexidade na singeleza, ou simplesmente, deixar-se levar por uma aventura que transcende os dois protagonistas e se estende para toda a equipe de filmagem, que equivale ao elemento estrangeiro naquele ambiente, cujo olhar tanto é capaz de devorar quanto ser devorado.”

In Time disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
In Time disse...

Vamos lá. falei dos autores comentando a obra, mais pelo carater de estabelecer seu sentido que está expresso nos textos. Isso para mim é impensável.
Comentei um aspecto relativo a representação, que foi covenientemente atrelado a "cultura tradicional", e que se tornou o eixo da contra-agrumentação( ou do ataque pessoal ) para desqualificar o que falei. Estou tratando de representação em geral, não desse respeito purista que é apontado. E apontado mesmo, só que para a pessoa errada!!! No caso do filme de vocês, trata-se da representação ficcional que envolve uma manifestação. E por isso me reporto a ela. Mas se pensarmos outros mil filmes de ficção que tratam dos mais variados assuntos, veremos facilmente que estamos sempre discutindo o quão é interessante a abordagem do tema ou do contexto. Não sei por que uma coisa tão clara e simples pareceu tão absurda e desprezivel!
Há diálogo possivel com os autores sim, e com toda a equipe, e com quem mais quiser se expressar. Só acho desnecessário o tom raivoso e arroganmte que se estabeleceu por vezes nesse campo, que melhor seria de debate, argumentação... Não quis reduzir o filme. Falei o que ressaltou aos olhos. E não acho que devamos necessariamente escrever sobre todos os aspecots constitutivos de um filme, se é isso que vocês queriam. Fiz um recorte do que me pareceu mais chamativo, e me incomodou. certamente agradou a outros tantos. Mas também não fui o único a ver a peripécia do filme como uma cena de humilhação. O diálogo me parece sempre uma saida boa. Até evita que fiquemos somatizando tanta coisa ruim,e apontando dedo, e arrogando o que quer que seja. Repito mais uma vez, acho que o filme Nego Fugido tem muitos méritos, e parabenizo a toda a equipe por isso. Trabalhem mais vezes juntos! é assim que se adensam as relações e os trabalhos.

Unknown disse...

bruno,

onde você viu arrogância. Explique!!! (brincadeira)
até então estamos conversando, nada além disso.

abraços,

cláudio

VOGAL disse...

Para continuar conversando...

Os personagens podem ser turistas ou forasteiros, como diz João Carlos Sampaio, ou casal de brancos ou jovens, ou a classe media, essa é a escolha da nossa discussão, como construirmos personagens potentes e protagonistas das historias que narramos, não acho os protagonistas ingênuos, a ingenuidade vem das limitações do mundo narrativo que o roteiro oferece para eles. Como escolhemos os sintagmas que farão parte do nosso roteiro, ou da nossa decupagem técnica da realidade (em caso não contemos com esse elemento) para contar uma historia? O nome do filme é O Nego Fugido, é um ponto de partida ou uma essência histórica de uma manifestação? Outra discussão levantada, que sim! tem donos, mas também tem o Bruno e a Camila e uma multidão que não conhece o Teatro do Nego Fugido tão bem quanto Marilia explica. Fazer um filme implica extrapolar as comunidades do registro, para falar a partir da sua historia singular a universalidade do seu conflito. Por isso o nome do meu texto foi: “O NEGO FUGIDO: Um olhar em conflito”. E em essa direção seria bom levar os comentários.


Não é nem foi a minha intenção falar das questões técnicas do filme, porque acredito que na Bahia contamos com excelentes técnicos e produtores e, esta em nos, realizadores, levar a discussão adiante nos aspectos narrativos e de representação que usamos em nossos filmes. Não se pode deixar neles a responsabilidade de contar a historia se não motivamos o olhar a traves de personagens, psicologicamente bem construídos, seqüências roteirizadas com o fim da compreensão e não da interpretação, porque mesmo trabalhemos com o mundo do real, nossos filmes apenas narram à porção do espaço-tempo que existe entre o primeiro e o ultimo fotograma que escolhemos. E esta nessa escolha a afirmação do nosso cinema.
Nesse aspecto concordo plenamente com Bruno.

Abraços,

Diego.

Marcelo Matos de Oliveira disse...

Em nenhum momento eu afirmei que ter filmado com a manifestação do Nego Fugido foi indevida. Por isto coloquei o "talvez" no meio da frase, pois é algo que sinceramente não tenho certeza.

... "na apropriação, talvez, indevida, de uma manifestação cultural"...

Acho que só quem pode afirmar isto é o próprio pessoal de Acupe.

Concordo em parte com Diego quanto a construção do personagem, mas chego a um ponto diferente.

Os protogonistas do filme são personagens-tipo, são personagens que não têm uma construção psicológica aprofundada. Sabemos muito pouco deles: tocam sanfona, são brancos,têm uma câmera, viajam e chegam em algum lugar (que só sei que é Acupe por que conheço Acupe e o Nego Fugido antes do filme).

Por isto o filme abre uma gama de possibilidades interpretativas já que os espectadores podem ver os personagens como turistas, como estudantes universitários, classe média, forasteiros, etc...

Este vazio na construção psicólogica dos personagens gerou um efeito, a meu ver, bem interessante que é deixar ao espectador a possibilidade dele construir o filme. Nego Fugido é uma obra aberta extamente por causa desta operação.

E isto que poderia ser visto como uma falha, na concepção aristotélica da narrativa, para mim é o que torna Nego Fugido um conjunto de signos audiovisuais que gera muito papo. Podemos ficar infinitamente discutindo o filme, pois a subjetividade do espectador em relação ao filme determina a narrativa.

"Está aí uma dificuldade enorme em analisar este filme: todas as possibilidades de resposta são falhas, inexatas, insuficientes. Este filme pede um olhar maduro." - bem disse Gabriel Martim

A representação para mim é realmente o que menos interessa.

abraços
Marcelo

In Time disse...

Queridos, terei que me ausentar até sábado do nosso debate. Por isso caso seja interessante, ou mesmo necessário, contribuo logo mais, assim que estiver mais tranquilo em relação às demandas que me exigem tempo integral nesses dias. Aproveito para divulgar meu blog de amenidades In Time cujo endereço é: www.tambourineintime.blogspot.com vão lá, só por diversão mesmo...

In Time disse...

achei um tempinho na madruga, mas só por que era necessário...

Cláudio,

acho que canhestra talvez qualifique melhor essa tentativa por vezes também raivosa de vocês defenderem o filme a todo o custo, e se valendo da estratégia de desqualificar, ou contrapor como seria melhor, não o texto mas o interlocutor. Não é arrogância falar de argumentações que são claras e honestas dessa forma? O tom ameno não combina muito com seu singelo adjetivo. Mas se me enganei quanto minhas qualificações peço perdão. Meu interesse é expor comentários sobre o filme e não te agredir ou agredir Marília. Continuo achando que não precisamos perder a ternura... jamás!

VOGAL disse...

O fato, Marcelo, é que os signos são os elementos narrativos que funcionam como ostentadores da percepção e, se não os caracterizamos e organizamos para contar a nossa história, eles acabam contando a sua própria versão...

Eu também acho, que não devemos perder a ternura jamás! O uso deste espaço é para a discussão sobre cinema e, se os textos são provocativos (mais do que agressivos) é porque o cinema é apaixonante e porque temos aprendido muito pouco dos elogios. Escolhemos os filmes pelas suas características de dialogo e abertura para a construção dos diversos sentidos, científicos, semânticos, filosóficos, estéticos, mercadológicos e aí vai.... Os filmes ruins não servem para pensar o cinema, neles nuca procuramos respostas para as nossas inquietações e, se a gente discute sobre um filme é porque este permite avançar na nossa busca de uma arte inteiramente inovadora e contemporânea. Demais esta dizer que Cau e Marília são grandes realizadores e admiro muito trabalho deles. Sem dúvida, é por isso compartilho as questões que me coloca o filme O Nego Fugido.

Um abraço,
Diego.

Unknown disse...

Diego,

veja que Bruno em sua última mensagem prega a ternura, mas não deixa de tentar dar um novo punch de direita, quando menciona suposta “...tentativa raivosa de vocês defenderem a todo custo o filme...”

O tom foi elevado, mas a conversa foi proveitosa.

Importante ressaltar que discutir, mesmo que exaltadamente, não é criar inimizade.

Agradeço o interesse de vocês em debater o Nego. Isso é raro, sobretudo a partir de um curta.

Abraços,

Cau e Marília

In Time disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
In Time disse...

Marília e Cláudio, participantes do debate e leitores,

Não queria mesmo fazer nenhum post nessa direção. Já tinha exposto o que achava necessário, mas considero esse termo pesado demais para ser usado por aqui( o lugar dele, infelizmente, é no senado federal ), e confesso que fiquei incomodado com isso, mas... Inimizade de jeito nenhum! Acho que a discussão foi válida, e temos que bem dimensioná-la. Além da amizade e do respeito, estamos no mesmo barco. E independente de qualquer particularidade sei que Nego Fugido é mais um passo importante para o enriquecimento de nossa cinematografia. Parabéns a todos pelo filme. Nos vemos em breve.

Bruno

DJ VJ Koyrana Duo Jazz Fusion Bob Caê Ben disse...

"Coisinha de cinema" se acha o melhorzinho! Não passa de uma mosca morta! Mais um agente imperialista se passando de fomentador cultural! Pau no cú! Mercenário vaidoso, sensor que se passa por crítico! Alienado político... Esteticista pequeno burguês... Fala mansa e intensões perversas... Acumular conhecimento não é sinônimo de saber pensar... Seja um pouco mais humilde seu egoesclerosado! Vc sabe que eu sei que vc não vale nada...