Ao longe, no meio do sertão, um carro de boi passeia lentamente; suas madeiras rangem quase como música. O plano inicial de Carro de Boi é um cristal que traz consigo o filme inteiro: o signo entra, atravessa o quadro lentamente, até sair por completo. Se ele abandona o plano inicial, é para poder retornar durante todo o filme até quando, no último plano, desaparece dando lugar a casa da família.
É assim que no decorrer do filme ele retorna enquanto trabalho - no labor da família -, enquanto brinquedo - nas mãos das crianças-, enquanto educação – na relação adulto/criança. O corte seco marca a relação entre estas facetas: os adultos que dilatam o ferro para fazer a roda do carro e a criança que afina um palito com um facão para fazer o seu carrinho de boi com restos de uma sandália.
Se o carro de boi enquanto signo atravessa todo o filme (que já estava insinuado no plano inicial quando ele atravessa todo o plano) é, também, para criar um cruzamento entre acontecimentos fazendo com que a brincadeira infantil venha a ser trabalho, com que o trabalho venha ser educação, com que a educação venha a ser brincadeira.
E não é preciso que nenhum personagem diga isso. O filme - talhado unicamente por imagens e sons - realiza uma bela descrição etnográfica do carro de boi no sertão nordestino. Carro de Boi consegue realizar um encontro entre a arte e a etnografia. Um filme simples carregado de sensibilidade.
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